BRASÍLIA – O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), deve apresentar um projeto para reduzir a pena de parte dos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023. Em contrapartida, o texto aumentará a punição para os líderes do movimento por intervenção militar.
A proposta é negociada com o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A manobra visa enterrar o projeto de lei de anistia liderado pelo PL e que beneficiaria o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados.
O projeto que já tramita na Câmara concede anistia total aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro. Já o texto que deve ser apresentado por Alcolumbre não dá um perdão completo a quem participou da invasão e depredação das sedes dos Três Poderes.
Conforme reportagem do jornal O Globo, ele altera a legislação sobre golpe de Estado e abolição do Estado democrático de direito. A ideia é agravar a pena para quem lidera ou comanda uma tentativa de golpe e atenuar a punição a quem serviu como “massa de manobra”.
A iniciativa também visa esclarecer na legislação que uma pessoa não pode responder aos crimes de tentativa de golpe e abolição do Estado Democrático ao mesmo tempo, pois seria uma forma de punir duas vezes um infrator pela mesma conduta.
Proposta do presidente do Senado não atinge Bolsonaro
Caso o projeto de Alcolumbre seja aprovado pelo Congresso, parte dos presos durante os atos pode ser solto ou cumprir pena em regime semiaberto ou domiciliar. O texto reduz em até dois terços a pena de quem foi levado a participar dos atos de 8 de janeiro.
Por outro lado, o texto diferencia esse grupo de quem organizou ou estimulou os ataques na Praça dos Três Poderes, com o intuito de derrubar o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com fechamento do Congresso e do Supremo.
O texto de Alcolumbre não aumentaria nem diminuiria a pena de Bolsonaro em caso de condenação. No caso do ex-presidente, o agravante por liderar uma suposta tentativa de golpe não seria levado em conta, já que a lei só retroage para beneficiar um réu.
Barroso falou em possibilidade de mudança
A ideia foi levada a lideranças do PT no Senado e ao senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ex-presidente da Casa. O projeto seria apresentado pelo próprio Alcolumbre para garantir a tramitação mais rápida, com adesão dos mais variados partidos.
O jornal Estado de S. Paulo publicou que Motta procurou Lula e ministros do STF com o intuito de construir um acordo para a revisão das penas dos condenados pelo 8 de janeiro. Mas diferentes fontes dizem que a proposta não é consenso no Supremo.
Em entrevista ao jornal O Globo, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, defendeu as penas que foram aplicadas. No entanto, apesar de dizer que o que aconteceu no 8 de janeiro é “imperdoável”, o ministro deixou margem para uma revisão.
“O Supremo aplicou a legislação editada pelo Congresso nos julgamentos do 8 de Janeiro. A solução para quem acha que as penas foram excessivas é uma mudança na lei. Não acho que seja o caso de anistia, porque anistia significa perdão E o que aconteceu é imperdoável”, disse.
“Se a lei disser que não se acumulam (os crimes de) golpe de Estado com a abolição violenta do Estado de Direito, ou, em vez de tratar como crimes distintos, prever apenas um aumento de pena, isso importaria em uma redução. E teria incidência imediata. Estou dizendo uma possibilidade. Não cabe a mim essa decisão, e sim ao Congresso”, completou Barroso.
Na mesma entrevista, o ministro afirmou que o Supremo está “aberto a conversar sobre todas as questões que ele (Hugo Mota) considera importantes”.
“O que eu tenho ouvido, que é um sentimento em alguns segmentos, é que as penas são pesadas. Portanto, se a ideia for ter penas mais leves, é o caso de modificar a legislação”, ponderou Barroso.
PL está irredutível e Bolsonaro convoca novo ato por anistia
Na contramão do debate, a bancada PL decidiu manter a obstrução na Câmara enquanto Motta não incluir a anistia na pauta das votações no plenário. O acordo entre os deputados do partido foi firmado em reunião na segunda-feira (28).
O líder da bancada, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), espera o retorno de Motta a Brasília para intensificar a pressão sobre ele. A perspectiva é que o encontro aconteça ainda nas próximas horas, segundo o líder do PL.
O partido se dispôs a começar uma “guerra política” para garantir que a urgência da anistia seja incluída na pauta das votações da Câmara. A legenda apresentou uma lista de 262 apoios à urgência.
“A anistia não está complicada. Só não foi pautada porque interesses outros sabem que, se vier à pauta, ela será aprovada com mais de 300 votos. Não vamos arredar um milímetro das nossas decisões de pautar a anistia”, declarou Sóstenes após o encontro com a bancada.
Ao comentar o texto costurado por Alcolumbre, Motta e lideranças do PT, o líder do PL afirmou que ele já nasce justamente por envolver o STF.
“Se o STF estiver participando da construção de um texto para mudar a pena para alguns e aumentar para outros… Nunca ouvi que o STF cumpre papel de legislador. Não tem texto. Ao que me consta, só estão conversando, se é isso, o STF dá um atestado de que errou no julgamento e o golpe é uma farsa. Vamos ver se é verdade”, avaliou Sóstenes.
Também na segunda-feira, da cama do hospital onde está internado há mais de duas semanas, Bolsonaro convocou apoiadores para uma manifestação, em Brasília, pela anistia. O evento está programado para 7 de maio.
“Manifestação pacífica em Brasília pró-anistia. Compareçam”, disse Bolsonaro em vídeo publicado pelo pastor Silas Malafaia, responsável pela organização dos atos. Segundo ele, a concentração será na Torre de TV e, em seguida, os manifestantes caminharão em direção ao Congresso.
O pastor afirmou também que o ato servirá para parabenizar o ministro Luiz Fux, do STF, que “desmascarou a perversa e injusta condenação à Debora do batom”. A cabeleireira Débora dos Santos foi condenada a 14 anos de prisão.
Ela ficou famosa por ser fotografada pichando de batom “perdeu, mané” na estátua “A Justiça”, em frente ao Supremo, em meio às invasões e depredações dos prédios públicos em 8 de janeiro de 2023. Ela foi condenada por se juntar a um grupo que tentou um golpe de Estado, com uso de violência, danificando patrimônio público.
Fux votou pela condenação de Débora, mas divergiu do relator, ministro Alexandre de Moraes, e propôs uma pena de 1 ano e 6 meses de prisão pelo crime de deterioração do patrimônio tombado. Cristiano Zanin apresentou ressalvas e sugeriu uma condenação a 11 anos de prisão.