Uma das medidas é a isenção de licenciamento para empreendimentos militares com impactos ambientais. Entenda
A Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado aprovou nesta terça-feira (20) — de forma simbólica, sem registro nominal de votos — um projeto de lei que afrouxa as regras ambientais no país. O texto, que havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados ainda em 2021, agora segue para análise em Plenário após também ter sido aprovado pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) no mesmo dia. Entenda na TVT News.
O projeto é defendido por setores do agronegócio e pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e tem como relatora a senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura do governo Jair Bolsonaro (PL). Para seus defensores, a proposta trará “segurança jurídica” aos empreendedores e padronizará procedimentos ambientais em todo o território nacional. Para ambientalistas, juristas e parlamentares da oposição, trata-se de uma ameaça grave à proteção ambiental, com potencial para desencadear tragédias evitáveis.
Vozes contra a proposta
O senador Fabiano Contarato (PT-ES), presidente da CMA, alertou para os riscos constitucionais e ambientais embutidos no texto. “Peço reflexão sobre o que estamos votando. O direito ao meio ambiente é da sociedade brasileira. E quem é o guardião desse direito é o Estado brasileiro”, afirmou. Contarato ainda questionou a constitucionalidade do projeto e denunciou a priorização de interesses econômicos sobre a preservação ambiental.
A senadora Eliziane Gama (PSD-MA) também criticou a proposta, especialmente a previsão de que empreendimentos classificados como de “médio porte” possam utilizar a chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC), sem análise técnica prévia. “É um projeto viciado e abre brechas grandes para que fatalidades possam se repetir”, advertiu. Ela citou o exemplo de Brumadinho, tragédia que poderia ter sido evitada com um licenciamento mais rigoroso — e que, sob as novas regras, poderia ser considerado de porte médio.
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), embora sem declarar posição definitiva do Planalto, também demonstrou preocupação. “Estamos correndo o risco de ter uma guerra ambiental, em que cada município irá competir para flexibilizar mais. Quem facilitar mais, atrai investimento. Isso não é política pública, é disputa predatória”, disse. Wagner, ex-governador da Bahia, afirmou que adotou LACs apenas para empreendimentos de baixo impacto, e não nas proporções que o novo projeto pretende.
A Comissão de Agricultura aprovou, inclusive, um requerimento de urgência para levar o projeto ao plenário do Senado ainda nesta semana. Caso aprovado, terá de voltar à Câmara, por ter sido modificado.
O que muda com o projeto
O PL 2.159/2021 estabelece a chamada Lei Geral do Licenciamento Ambiental, com normas para os órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama). A proposta inclui:
Isenção de licenciamento para empreendimentos militares e atividades agropecuárias de pequeno porte.
Criação da LAC, que permite ao empreendedor declarar que seguirá as normas ambientais, recebendo licença automática, sem análise prévia do órgão competente.
Licença Ambiental Única, que unifica em um só documento as autorizações para construir e operar.
Dispensa de licenciamento para atividades de baixo impacto, com possibilidade de ampliação para porte médio por meio da LAC.
Regularização de empreendimentos irregulares, operando sem licenças ambientais.
Além disso, o texto traz alterações à Lei da Mata Atlântica e à Lei Complementar 140/2011, para dirimir conflitos sobre a responsabilidade federativa no licenciamento em áreas de divisa entre estados e municípios. Emendas apresentadas por senadores como Jayme Campos (União-MT) e Luis Carlos Heinze (PP-RS) foram acolhidas com esse objetivo.
Críticas ambientais
O coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Nilto Tatto (PT-SP), já declarou que pedirá veto presidencial caso o projeto seja aprovado. Para ele, a proposta representa “um retrocesso sem precedentes na legislação ambiental” e pode minar décadas de avanços institucionais no controle de impactos ambientais.
Licenciamento ambiental é um dos principais instrumentos de proteção ambiental no Brasil, sendo obrigatório para atividades com potencial de degradação significativa, como construção de hidrelétricas, expansão de rodovias, instalação de indústrias e exploração de recursos naturais. A flexibilização do processo levanta o temor de que empreendimentos arriscados avancem sem a devida avaliação técnica, ameaçando ecossistemas e populações.
Incerteza ambiental
A proposta de lei avança num momento em que o Brasil se vê sob pressão internacional para fortalecer sua governança ambiental, após uma década marcada por retrocessos e tragédias como Mariana (2015) e Brumadinho (2019). A inclusão de termos como “segurança jurídica” e “desburocratização” no discurso de parlamentares e setores econômicos não disfarça o risco embutido de fragilizar o papel fiscalizador do Estado.
A centralização da responsabilidade nos municípios e a ampliação das LACs para atividades de médio impacto criam um cenário propício para disputas ambientais entre entes federativos e para a proliferação de projetos com baixa fiscalização. “A LAC pode até ser uma ferramenta útil, mas não é panaceia. Se mal utilizada, vira licença para poluir”, alertou um técnico ambiental ouvido pela reportagem.
Com a votação em plenário se aproximando, cresce a pressão da sociedade civil, de especialistas e de movimentos ambientais para barrar a proposta ou ao menos mitigar seus efeitos mais danosos. Resta saber se o Congresso está disposto a ouvir essas vozes — ou se a história voltará a se repetir, desta vez sob a forma de um desastre evitável por lei.