A prefeitura de São Paulo ordenou a demolição do Teatro Ventoforte, localizado no Parque do Povo, na região do Itaim Bibi, zona oeste da capital, sem aviso prévio, conforme relatos de Claudeir Gonçalves, 52, responsável pelo espaço. Em entrevista ao portal UOL, ele afirmou que a ação foi executada sem apresentação de qualquer documento oficial. “Destruíram tudo sem me mostrar nada. Eu estava lá e perguntei o que estava acontecendo. Eles simplesmente disseram para eu me calar ou iriam me prender”, relatou. Confira mais em TVT News.
O Teatro Ventoforte, fundado em 1974 no Rio de Janeiro pelo dramaturgo e diretor argentino Ilo Krugli – radicado no Brasil desde os anos 1960 –, tornou-se um marco cultural também em São Paulo. Tião Carvalho, 70, um dos criadores do espaço na capital paulista, lembra que o teatro inicialmente funcionava na rua Tabapuã e, após alguns anos, passou a ocupar um terreno no Parque do Povo. Com a morte de Krugli em 2019, o grupo deixou de realizar atividades regulares no local. Nos últimos anos, segundo a prefeitura, o espaço estaria sendo utilizado irregularmente para aluguel de bicicletas, estacionamento de carros e venda de alimentos e bebidas.
Teatro Ventoforte em seus primeiros anos. Foto: Sociedade Brasileira de Autores Teatrais/ Reprodução
No entanto, além dessas alegações, o teatro abrigava a Escola de Capoeira Angola Cruzeiro do Sul e preservava um acervo histórico composto por cenários, figurinos, registros e documentos que documentavam mais de quatro décadas de produções artísticas. A destruição do espaço gerou indignação entre artistas, capoeiristas e moradores da cidade.
Leia Também: Governo Lula: investimentos na cultura têm recorde
No último domingo (16), uma manifestação foi realizada entre os destroços do teatro, onde ainda era possível encontrar fragmentos do acervo, como pedaços de cenários e até mesmo um piano. Entre os presentes estavam o deputado estadual Eduardo Suplicy (PT) e o cantor e compositor Chico César. Este último, ao compartilhar fotos do local devastado nas redes sociais, denunciou a destruição cultural na maior cidade do país como parte de um “propósito político”, relacionando-a à ascensão do fascismo e à gentrificação dos espaços urbanos.
Cantor e compositor Chico César participou de ato em defesa do teatro Ventoforte. Foto: Instagram/ reprodução
Além dos artistas, capoeiristas de diversas regiões do Brasil iniciaram uma campanha online em solidariedade à escola de capoeira desalojada. Vídeos publicados nas redes sociais destacam a importância da modalidade, reconhecida como patrimônio cultural imaterial brasileiro, e apontam indícios de racismo na atuação da prefeitura.
Em nota oficial, a administração municipal afirmou que a demolição foi realizada “com a ciência do responsável” e justificou a medida como necessária para garantir a “reintegração de posse” do imóvel. Contudo, o Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo) negou ter autorizado a demolição do edifício que abrigava o Teatro Ventoforte. O órgão ressaltou que não houve nenhum registro recente de pedido de intervenção no parque, tombado desde 1995. “Intervenções em imóveis tombados exigem deliberação, autorização e disponibilização de documentação necessária para posterior execução pelo solicitante”, informou o comunicado.
Por sua vez, a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) declarou que notificou o Condephaat sobre “diversas irregularidades encontradas no local” e que a decisão de demolir o teatro foi tomada em conformidade com a legislação vigente. A pasta reiterou que o espaço vinha sendo utilizado de forma ilegal.
O caso expõe uma tensão crescente entre preservação cultural e interesses urbanísticos na cidade de São Paulo. Enquanto a prefeitura defende a legalidade da ação, artistas, capoeiristas e ativistas clamam por transparência e responsabilização, questionando se a memória cultural da cidade está sendo sacrificada em nome de outros propósitos, que passam por interesses políticos até imobiliários.