O governador Tarcísio de Freitas fez contato direto com a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) neste sábado (12) para cobrar medidas contra Enel, reforçando que mais uma vez a empresa demora para restabelecer o fornecimento de energia em São Paulo após uma tempestade. Em novembro de 2023, outro temporal deixou vários pontos da cidade sem energia por até seis dias.
A Folha apurou que o governador telefonou para diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, reclamando que nada foi feito contra a empresa neste quase um ano após o outro evento.
Tarcísio também lembrou que já tinha pedido a caducidade do contrato da Enel, sem que houvesse retorno, e reforçou que não faz sentido renovar a concessão quando está comprovado que a prestação de serviço da Enel é péssima. Disse ainda considerar um absurdo a Enel chegar a ventilar que não conseguiria restabelecer integralmente o fornecimento da energia até segunda-feira (14).
A Enel, empresa com sede na Itália, atua em 24 municípios da Grande São Paulo, incluindo a capital. Especialistas ouvidos pela reportagem, que preferem não ter o nome citado, afirmam que, em casos extremos, a Aneel até pode unilateralmente propor a caducidade de um contrato de distribuição, mas é preciso lembrar que esse tipo de concessão de energia elétrica é federal, ou seja, o poder concedente desse serviço é a União.
A decisão sobre declarar ou não a caducidade cabe ao MME (Ministério de Minas Energia), mas num processo que esteja amparado em sólida evidência, afinal se trata do rompimento de um contrato. O papel da Aneel é instruir o processo apontando as deficiências da Enel para embasar uma decisão do MME.
A Enel foi alvo de muitas críticas do governo federal após o apagão em São Paulo, mas, na sequência, a empresa divulgou uma série de medidas para aperfeiçoar o atendimento durante eventos extremos, incluindo o anúncio de investimentos, que foram bem recebidos pelo governo federal.
Em maio, quando a tensão ainda estava alta, a Folha apurou que o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, chegou a dizer à empresa que, se não fizesse investimentos na qualidade do serviço de distribuição de energia, “pode dar tchau” ao país.
No mês passado, o posicionamento já havia mudado. Silveira participou de um evento na base operacional da Enel em Guarapiranga, zona sul de São Paulo, em que ocorreu a apresentação dos investimentos da companhia no Brasil. Na ocasião, disse era “uma grande alegria poder ver in loco as ações adotadas para prevenir acontecimentos graves gerados pelas às mudanças climáticas”.
Nesta sexta, horas antes do novo temporal deixar mais de 2 milhões sem luz em São Paulo, Silveira estava em Roma. Mesmo de férias, participava de um evento do Grupo Esfera ao lado de Alberto de Paoli, o diretor para o resto do mundo da Enel.
O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) passou sinalizar apoio à permanência da concessão com a empresa. Em junho, durante viagem à Europa para participar do encontro do G7, o presidente se reuniu com o CEO mundial da Enel, Flavio Cattaneo, para discutir investimentos da concessionária no Brasil. A empresa disse na época ter reafirmado a promessa de fazer um investimento de US$ 3,7 bilhões (quase R$ 20 bilhões) na operação brasileira.
Na sequência, Lula afirmou a jornalistas que, com o compromisso de investimento pela companhia italiana, o governo estaria disposto a renovar o contrato de concessão de energia.Neste sábado, a Aneel adotou postura mais dura. Em nota à imprensa no início da tarde afirmou que iria intimar a Enel a “apresentar justificativas e proposta de adequação imediata do serviço diante das ocorrências registradas ontem e hoje, de falha na prestação do serviço de distribuição”.
Como parte do processo de intimação, disse ainda que a proposta da empresa será avaliada pela diretoria colegiada da Aneel e, caso a Enel não apresente solução satisfatória e imediata da prestação do serviço, a agência poderá retirar os direitos de concessão.
Cera de duas horas depois, o MME soltou nota afirmando que Aneel falhou ao não encaminhar a caducidade do contrato da Enel. Também informou que o ministro interrompeu suas férias para acompanhar o problema de perto e determinou a criação de uma sala de situação. O MME afirmou no texto que não há qualquer indicativo de renovação da concessão da distribuidora em São Paulo.
Procurada pela reportagem para comentar, a Enel enviou nota informando que “reitera seu compromisso com a população em todas as áreas em que atua e seguirá investindo para entregar uma energia de qualidade para todos”. Também destacou que técnicos da companhia seguem trabalhando para reconstruir trechos da rede elétrica danificados e restabelecer o serviço para cerca de 1,45 milhão de clientes que seguiam sem luz.