O ex-presidente uruguaio José “Pepe” Mujica, 89, disse hoje (9) ao jornal uruguaio Búsqueda que o câncer de esôfago, diagnosticado em 2022, avançou para o fígado. Ele deixou claro que não há mais expectativas de conter a doença. Em sua chácara, localizada em Rincón del Cerro, área rural de Montevidéu, Mujica fez um apelo: “O que peço é que me deixem em paz. Que não me peçam mais entrevistas nem nada. Meu ciclo já terminou.”
“O câncer no esôfago está se espalhando para o fígado. Não consigo impedi-lo. Por quê? Porque sou um idoso e porque tenho duas doenças crônicas. Não posso nem fazer tratamento bioquímico nem cirurgia, porque meu corpo não aguenta”, disse Mujica, com a franqueza e simplicidade que marcou sua trajetória pública. “Sinceramente, estou morrendo. E o guerreiro tem direito ao seu descanso.”
Mujica: vida de luta
Ex-guerrilheiro e uma das figuras mais emblemáticas da esquerda latino-americana, Mujica foi presidente do Uruguai entre 2010 e 2015. Sua história é marcada por 13 anos de prisão em condições desumanas durante a ditadura militar uruguaia (1973-1985), o que consolidou sua imagem de resistência. Após ser libertado, Mujica se tornou um símbolo da luta pela justiça social e pelos direitos humanos.
O líder anunciou o diagnóstico de câncer no final de abril de 2022 e passou por uma cirurgia em novembro do mesmo ano, quando um stent foi instalado em seu esôfago para facilitar a ingestão de alimentos. Contudo, a progressão da doença revelou os limites de sua saúde fragilizada.
Legado de Mujica
Apesar do agravamento de sua condição, Mujica manteve sua capacidade de inspirar. Durante um discurso em outubro do ano passado, ele falou sobre sua mortalidade e a importância de continuar lutando por um mundo melhor. “Quando meus braços se forem, haverá milhares de braços em luta”, disse, reafirmando sua crença na força coletiva.
Na mesma ocasião, Mujica fez um apelo aos jovens, pedindo que rejeitem o ódio e adotem a esperança. “Os mais jovens vão viver uma mudança no mundo que a humanidade não conheceu. A inteligência será tão importante quanto o capital, o que significa que a formação terciária irá se impor para as novas gerações”, afirmou. Ele também incentivou que a luta por melhores condições de vida na América Latina siga firme, mesmo em sua ausência.
Adeus de um líder sem igual
Aos 89 anos, José Mujica vive longe dos holofotes e da política ativa, mas permanece como uma referência moral e intelectual para a América Latina. Seu legado transcende sua presidência, marcando gerações com sua humildade, idealismo e comprometimento com causas sociais. Enquanto luta contra a doença em seus dias finais, Mujica deixa uma mensagem de coragem, esperança e resiliência, simbolizando o espírito de um guerreiro que agora se prepara para descansar.
O discurso de Mujica em outubro
“Um minuto de coração, não da garganta.
É a primeira vez nos últimos 40 anos, que não participo de uma campanha eleitoral. E eu faço isso porque estou lutando contra a morte. Porque estou no final da partida, absolutamente convencido e consciente.
Mas eu tinha que vir aqui hoje, pelo que vocês simbolizam. […] Então, sou um velho, sou um velho que está muito, muito perto de onde não se volta. Mas eu sou feliz porque vocês estão aqui, porque quando meus braços se forem, haverá milhares de braços substituindo-os na luta, E toda a minha vida eu disse que os melhores líderes são aqueles que saem de uma equipe que os supera com vantagem.
E hoje estão vocês, está Yamandu, está Pacha. Há milhares e outros que esperam e outros braços jovens, porque a luta continua por um mundo melhor. Eu gastei minha juventude, minha vida junto de minha companheira, que estou vivo por causa dela e dessa outra mulher, que é minha médica, senão eu já teria partido.
Eu tenho que vir agradecê-los de coração. Os mais jovens vão viver uma mudança no mundo que a humanidade não conheceu. A inteligência será tão importante quanto o capital, o que significa que a formação terciária irá se impor para as novas gerações.
Se não somos capazes como país de educar e de formar a geração que vem, vamos pertencer ao mundo dos irrelevantes, dos que não servem para que os explorem.
Este é o maior desafio do país. Por isso apoio Yamandu, porque é preciso um governo que abra o coração e a cabeça como país inteiro. Não é poético o que eu digo, alguém tem que dizer, que seja um velho.
Não ao ódio!
Não à confrontação!
É preciso trabalhar pela esperança!
Até sempre! Dou meu coração a vocês. Muito obrigado. Tenho que agradecer à vida, porque quando esses braços se forem, haverá milhões de braços. Obrigado por existirem. Até sempre.”