O relator na Câmara dos Deputados do Projeto de Lei (PL) que promove mudanças no Novo Ensino Médio, Mendonça Filho (União Brasil-PE), defende que a Casa reverta as mudanças feitas pelo Senado no PL e aprove o texto na forma que os deputados haviam enviado aos senadores.
Em entrevista ao SBT News, o ex-ministro da Educação disse que a proposta aprovada pelos deputados em março era fruto de um acordo firmado entre a Câmara e o governo federal, por meio do Ministério da Educação (MEC), e o substitutivo da senadora Professora Dorinha Seabra (União Brasil-TO) acaba desmanchando o combinado.
Segundo Mendonça Filho, um dos pontos mais críticos do substitutivo é a quantidade de horas previstas de formação geral básica (FGB) — que inclui as disciplinas da Base Nacional Comum Curricular, como português e matemática — nos cursos técnicos ofertados no itinerário de formação técnica e profissional, no Ensino Médio.
O texto aprovado pela Câmara previa 2.100 horas de FGB para esse itinerário e 2.400 horas para os demais. Já o substitutivo prevê as mesmas 2.400 horas em ambos os casos a partir de 2029. Para o itinerário de formação técnica e profissional, a carga horária da FGB crescerá inicialmente, no período entre 2025 e 2028, para no mínimo 2.200 horas.
De acordo com Mendonça Filho, a mudança “inviabiliza a formação técnica”. “Boa parte dos jovens trabalham e estudam. Quando você eleva demais a FGB, você não dá espaço para que ele possa ter acesso à formação técnica”.
Ele acrescenta que a maioria dos cursos técnicos “exigem mais de 900 horas ou pelo menos 900 horas”. “Se você deixou apenas 600 [com a FGB pegando 2.400], evidentemente que você está inviabilizando também o acesso à educação técnica”.
Mendonça Filho salienta que discorda também da inclusão da língua espanhola como disciplina obrigatória no Ensino Médio, feita pela substitutivo. “Vou lutar para restabelecer a opção, que a rede que quiser possa fazer isso, adotar o espanhol como obrigatório, mas vai ser nesse caminho”, pontua, relembrando que o projeto aprovado pela Câmara deixava o ensino do espanhol como opcional.
“O governo não pode fazer um acordo com a Câmara e outro acordo com o Senado”, afirma Mendonça Filho. Conforme o deputado, o acordo sobre o texto do PL na Câmara foi feito após uma “dura e difícil” negociação da qual participou, e a proposta recebeu o aval de todos os líderes da Casa Baixa e contou com mediação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). “Então eu vou defender que se mantenha o que foi pactuado”.
Votação
Mendonça Filho defende que o Projeto de Lei seja votado pela Câmara antes do recesso parlamentar, com início em 18 de julho. “É evidente que quem faz a pauta e quem decide a pauta é o presidente, normalmente ouvindo o Colégio de Líderes. Então eu defendo que a gente possa votar logo na próxima semana, que serão restabelecidas as sessões presenciais”.
Ele destaca que a decisão sobre o PL “é simples”, porque “envolve dois textos em alguns pontos: ou o texto da Câmara ou o do Senado”. “Eu opto, em geral, pelo texto da Câmara. Não tem nenhum ponto do texto do Senado que eu possa, neste instante, dizer que agrega para o texto. Além do que eu defendo a manutenção do acordo estabelecido”.
Mendonça Filho afirma que não quebrará o acordo e espera que o governo “também honre com sua palavra”.
Para o deputado, por uma questão de previsibilidade e capacidade de planejamento das redes públicas e privadas, “urge que a gente possa começar o segundo semestre letivo já com o Novo Ensino Médio sancionado”.
Na semana passada, após a aprovação do Projeto de Lei na Comissão de Educação e Cultura do Senado, na forma do substitutivo proposto por Dorinha, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE) disse que as alterações feitas pelo Senado seriam “revertidas para restabelecer o texto original da Câmara”. “Este é o meu compromisso, e trabalharemos para alcançar esse consenso junto ao relator e ao ministro Camilo Santana”, continuou.
O que diz o Projeto de Lei?
O Projeto de Lei aprovado pelo Senado diz que a carga horária mínima anual será de 800 horas para o Ensino Fundamental e de 1.000 horas para o Ensino Médio, distribuídas por um mínimo de 200 dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver.
A carga horária mínima anual para o Ensino Médio será ampliada de forma progressiva para 1.400 horas, considerados os prazos e as metas estabelecidos no Plano Nacional de Educação.
No processo gradual de ampliação, será mantida proporção de, no mínimo, 70% da carga horária destinada para a formação geral básica. Este ponto é uma novidade em relação à legislação atual e à versão enviada pela Câmara.
O currículo do Ensino Médio será composto de FGB e de itinerários formativos — espaço no qual os estudantes escolhem quais os conhecimentos em que vão se aprofundar.
Segundo o substitutivo, o Ensino Médio será ofertado de forma presencial, admitido, excepcionalmente, na forma de um regulamento, “ensino presencial mediado por tecnologia, bem como educação à distância, em casos de excepcionalidade emergencial temporária reconhecida pelas autoridades competentes”. É mais uma diferença em relação à legislação atual e à versão da Câmara.
A proposta aprovada pelo Senado determina que os estados mantenham, na sede de cada um dos seus municípios, no mínimo uma escola de sua rede pública com oferta de Ensino Médio regular no turno noturno, quando existir demanda manifesta e comprovada para matrícula de alunos nesse turno. A legislação atual e a outra versão do projeto não trazem essa determinação.
Análise de entidades do setor de educação
O presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Hugo Silva, celebrou que o projeto aprovado traga as 2.400 horas para a formação geral básica e o ensino obrigatório da língua espanhola.
“A gente conseguiu garantir que no relatório da senadora professora Dorinha incluísse as 2.400 horas para a FGB, o espanhol como disciplina obrigatória, e esse é um resultado das nossas mobilizações, das nossas articulações no Congresso Nacional e é um grande avanço para esse projeto”, afirmou, em entrevista ao SBT News.
A Ubes lutará agora para garantir que na Câmara sejam mantidas pautas que lhe são “muito caras”, que vieram do “chão da escola pública” e de várias mobilizações feitas pela entidade, “como a manutenção do fim dos itinerários formativos, a manutenção das 2.400 horas, a manutenção do espanhol como disciplina obrigatória”.
Silva ressalta que a nova deliberação da Câmara sobre o projeto seja feita com celeridade. “Cada vez mais que a gente adia a votação, cada vez mais que a gente adia as mudanças necessárias para o projeto, um jovem desiste de concluir seu Ensino Médio, um estudante desiste de continuar no chão da escola”, argumenta.
A ONG Todos pela Educação elenca quatro principais mudanças positivas trazidas pelo substitutivo de Dorinha aprovado pelo Senado, em relação à versão da Câmara. Entre elas, percentual mínimo (70%) para a formação geral básica no Ensino Médio de tempo integral; formação continuada para os professores e monitoramento contínuo da implementação do Novo Ensino Médio; mecanismos de estímulo à expansão de matrículas de Ensino Médio articuladas à educação profissional e tecnológica; e ensino presencial mediado por tecnologia e educação a distância apenas em casos excepcionais.
Porém, lista sete pontos críticos, para o qual a ONG defende o retorno ao texto aprovado pela Câmara em março:
- Carga horária total acima de 3.000 horas para quem cursa formação técnica e profissional;
- Obrigatoriedade da oferta de Língua Espanhola;
- Retirada das diretrizes nacionais de aprofundamento como referência para o processo seletivo de ingresso ao Ensino Superior (como o Enem);
- Retirada da garantia de que todas as escolas de Ensino Médio devam oferecer aprofundamento integral nas quatro áreas do conhecimento;
- Revogação da Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral;
- Possibilidade de substituição do ensino de Língua Inglesa por outras línguas estrangeiras;
- Obrigatoriedade de, pelo menos, uma escola em turno noturno em cada município;
- Limitações à contratação por notório saber para a formação técnica e profissional.
Já a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) disse que o substitutivo aprovado pelo Senado “corrige alguns equívocos do texto da Casa de origem”. “Contudo, o eixo da privatização da oferta escolar continua intacto, podendo as redes de ensino delegar a entidades privadas parte do currículo escolar, especialmente o itinerário técnico-profissional”.
A CNTE elenca 11 pontos do substitutivo a serem mantidos pela Câmara. Entre eles, aumento da carga horária dos cursos técnicos de 800 horas, 1.000 e 1.200 anuais para um total de 3.200, 3.400 e 3.600, a partir de 2029, como forma de equiparar a formação geral básica em 2.400 horas também nesses cursos; fixação de no mínimo 70% do currículo escolar em regime de tempo integral para a formação geral básica; e inclusão do espanhol como disciplina curricular ao lado do inglês, com possibilidade de oferta de outras línguas estrangeiras mediante critérios definidos pelos sistemas.
Após ser aprovado pela Câmara, o Projeto de Lei seguirá para sanção ou veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).