Após 35 anos, só cinco pessoas foram identificadas entre 1.049 ossadas. Trabalhos foram paralisados durante governo Bolsonaro
No cemitério em que fica a Vala de Perus, foi realizado uma cerimônia para o Estado brasileiro pedir desculpas oficiais para as famílias e para a história do país pela negligência com a identificação das ossadas encontradas no local. A vala clandestina e a falta de respostas é mais um dos resquícios da ditadura militar. Saiba mais na TVT News.
O pedido de desculpas pelo Estado brasileiro
Em cerimônia no Cemitério Dom Bosco, nesta segunda-feira (25), a ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo representou o Estado Brasileiro no pedido de desculpas aos familiares dos mortos e desaparecidos da ditadura militar. O Estado reconheceu que falhou na identificação da ossada da Vala de Perus. Ontem, foi celebrado o Dia da Memória, pela Verdade e pela Justiça.
“O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, em nome do Estado Brasileiro, pede desculpas aos familiares dos desaparecidos políticos durante a ditadura militar brasileira, iniciada em 1964, e à sociedade brasileira pela negligência, entre 1990 e 2014, na condução dos trabalhos de identificação das ossadas, encontradas na vala de Perus, localizada no Cemitério Dom Bosco em São Paulo”, reiterou a ministra.
Na ocasião, a ministra entregou uma placa com um pedido de desculpas a Gilberto Molina, irmão de Flávio Carvalho Molina, uma das vítimas da ditadura militar. Ele foi torturado e morto por agentes da repressão em 1971, na sede do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) e, depois, enterrado como indigente na vala de Perus.
“A minha busca desde quando o Flávio saiu de casa até a identificação [de seu corpo] e o sepultamento dele em um jazigo da família no Rio de Janeiro durou praticamente 44 anos”, contou Gilberto Molina.
Os restos mortais de Flávio foram um dos poucos a serem identificados dentre as 1.049 ossadas que foram encontradas na Vala Clandestina. Sua identificação ocorreu apenas em 2005. “De 1.990, quando a vala [de Perus] foi aberta, até 2005, quando ele foi identificado, se passaram 15 anos. Isso foi um velório interminável”, ressaltou Gilberto Molina.
Segundo a ministra Macaé Evaristo, o pedido de desculpas do Estado brasileiro às famílias das vítimas dos mortos e desaparecidos pela ditadura é apenas um primeiro passo do governo federal na busca pela verdade, memória e justiça.
“Quando falamos de direito à verdade, falamos de direitos muito concretos das vítimas e de seus familiares. O direito de conhecer, de forma plena e completa, as circunstâncias em que as violações de direitos humanos ocorreram e suas razões. A verdade é um caminho para emendar e restabelecer os laços entre passado, presente e futuro”, disse a ministra.
Em entrevista a jornalistas, ela acrescentou que há outros pedidos de desculpas em curso como o que se refere à Guerrilha do Araguaia e ao assassinato do jornalista Vladimir Herzog. Além dessas medidas, o governo federal está garantindo recursos para a retomada dos trabalhos de identificação das ossadas encontradas na vala de Perus e procurando retificar as certidões de óbitos de mortos e desaparecidos na ditadura.
Vala de Perus
A Vala de Perus foi descoberta em 1990 e foi aberta a pedido da prefeita da época, Luiza Erundina. No local, foram enterrados ilegalmente corpos de pessoas indigentes, de desconhecidos, e daqueles considerados opositores ao regime de opressão iniciado em 1964.
Quem denunciou a vala de Perus foi o administrador do cemitério Antônio Pires Eustáquio. Em entrevista à TVT em 2014, ele afirmou que encontrou irregularidades no livro de registro de óbitos, e investigou e encontrou o local. “Fiquei sabendo que tinham militantes políticos, torturados e mortos pela ditadura que estavam enterrados como indigentes e aí a procura foi inacabável”.
Ainda em 2014, a Comissão Estadual da Verdade anunciou na época a retomada da análise das 1049 ossadas, o material foi então enviado para a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O jornalista Caco Barcellos, da Rede Globo de Televisão, investigava a venda de caixões nos cemitérios da capital para uma reportagem e fazia um levantamento sobre as mortes envolvendo policiais militares na cidade de São Paulo, foi quando ele soube da vala clandestina de Perus, em 27 de julho de 1990, por intermédio do administrador do cemitério, Antônio Pires Eustáquio.
Na época, ele percebeu que não havia registro oficial da existência da vala no departamento onde estavam as plantas dos cemitérios da cidade de São Paulo. Em conjunto com o administrador abriu a vala e viu cinco ou seis ossadas sem nenhuma identificação. Na época, ele produziu matérias exibidas no Jornal Nacional e depois no Globo Repórter.
Até hoje, foram identificados apenas cinco enterrados na Vala de Perus, entre eles Dênis Casemiro (1991), Frederico Eduardo Mayr (1992), Flávio Carvalho Molina(1992), Aluísio Palhano (2018) e Dimas Antônio Casemiro (2018).
Durante a gestão Bolsonaro, os trabalhos de análise de identificação foram paralisados por falta de verbas. Ele também encerrou por decreto, em 2019, o Grupo de Trabalho Perus, que era vinculado à Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Memorial relembra a tentativa de acobertar os crimes da ditadura militar na vala. Foto: Raul Lansky/MDHC
Com informações de Agência Brasil
Por Girrana Rodrigues