O Partido dos Trabalhadores (PT) vive uma crise de identidade que vai muito além de problemas na propaganda institucional. O embate entre aliados próximos do governo, como Janja da Silva e Paulo Pimenta, apenas reflete as dificuldades internas de um partido que, ao longo de duas décadas, viu sua credibilidade ser desgastada por escândalos e polêmicas ininterruptas. A insistência em tentar resolver o problema com estratégias de comunicação ignora o ponto central: a falta de autocrítica e a acumulação de mentiras que solaparam a confiança do eleitorado.
A perda de credibilidade do PT não aconteceu da noite para o dia. Foi um processo lento e progressivo, marcado por acontecimentos que foram corroendo a imagem do partido aos olhos de muitos brasileiros. A origem desse desgaste pode ser localizada em meados dos anos 2000, quando o escândalo do mensalão veio à tona. Na época, a cúpula do PT negou qualquer envolvimento, usando o argumento de que nada sabiam sobre os fatos. Apesar da gravidade das acusações, o partido sobreviveu politicamente ao episódio, em grande parte por conta de uma narrativa cuidadosamente construída para minimizar os danos.
Antes mesmo do mensalão, suspeitas já pairavam sobre o PT, como o sequestro do empresário Abílio Diniz em 1989, no qual membros do partido foram envolvidos. Outro ponto delicado foi o suposto financiamento de campanhas políticas com recursos provenientes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), uma organização guerrilheira. Somado a isso, as mortes de figuras como Celso Daniel, prefeito de Santo André, e Toninho do PT, prefeito de Campinas, ainda alimentam teorias e especulações não esclarecidas até hoje.
O desgaste do partido se aprofundou com o surgimento do escândalo do Petrolão, investigado pela Operação Lava Jato, que revelou um esquema bilionário de corrupção envolvendo a Petrobras. As descobertas culminaram no impeachment de Dilma Rousseff, marcado por um controverso “fatiamento” do processo. Em meio a esse cenário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado e preso, com provas robustas apresentadas em três instâncias judiciais diferentes. Foram anos de reviravoltas jurídicas, e a devolução de milhões de reais aos cofres públicos comprovou a extensão do esquema.
Contudo, o que parecia ser o desfecho de uma era foi subvertido. Decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) anularam condenações de Lula, questionando os procedimentos da Lava Jato e colocando em xeque o trabalho de juízes e procuradores envolvidos nas investigações. O juiz responsável pelo caso, Sergio Moro, e o promotor Deltan Dallagnol acabaram pagando um preço alto, sendo alvos de processos e tendo suas carreiras prejudicadas. Enquanto isso, a narrativa de perseguição política se consolidou, garantindo a Lula o retorno à presidência.
O retorno do PT ao poder, no entanto, não se traduziu em pacificação política. A polarização se intensificou, e o partido passou a focar na desconstrução de seu principal opositor, o ex-presidente Jair Bolsonaro. Nos últimos anos, as investigações sobre Bolsonaro incluíram desde joias recebidas de presente até acusações relacionadas a sua gestão durante a pandemia. Apesar dos esforços, nenhuma prova substancial de corrupção foi apresentada, o que alimentou a percepção de perseguição política entre seus apoiadores.
Com Bolsonaro declarado inelegível, o PT tenta manter sua posição de destaque no cenário político, mas enfrenta um dilema difícil de resolver. A insistência em estratégias de propaganda e a falta de autocrítica impedem o partido de lidar com suas falhas históricas. O eleitorado, cada vez mais informado e exigente, parece menos disposto a aceitar explicações simplistas para problemas tão complexos.
Os embates internos, como os protagonizados por Janja, a primeira-dama, e Paulo Pimenta, ministro da Secretaria de Comunicação, evidenciam um partido dividido entre suas prioridades políticas e a necessidade de reinventar sua imagem pública. O problema, no entanto, não reside apenas na comunicação, mas na falta de uma mudança real de postura.
A confiança do eleitor não é construída apenas com slogans e campanhas publicitárias. Ela depende de transparência, ética e coerência ao longo do tempo. O PT, ao ignorar as críticas legítimas e se agarrar a narrativas que nem sempre correspondem à realidade, corre o risco de aprofundar ainda mais sua desconexão com parte significativa do eleitorado.
No fim das contas, o problema do PT não está em seus marqueteiros ou na qualidade da propaganda, mas na sombra de um passado marcado por escândalos e promessas não cumpridas. Enquanto não houver um esforço genuíno de autocrítica e renovação, o partido continuará refém de sua própria história.