São Paulo – Última a votar no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que formou maioria para descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal, a ministra Cármen Lúcia criticou a falta de critérios objetivos para diferenciar usuário e traficante. Ela votou a favor da descriminalização e defendeu que é competência do Legislativo fixar os parâmetros de quantidade. No entanto, defendeu que a quantidade que o STF definir deve valer até que deputados e senadores estabeleçam os critérios.
Antes dela, o ministro Luiz Fux votou pela criminalização do porte de maconha. Mas assim como Cármen Lúcia, defendeu que o Legislativo deve definir os critérios. Assim, o placar ficou em 7 votos a 4 pela descriminalização.
Com “base em dados reais, em fatos e números”, a ministra justificou a necessidade de fixar critérios objetivos para a questão. Segundo ela, a falta desses critérios promove “desigualdade de tratamento” e “insegurança” entre as pessoas. Indiretamente, se referiu ao racismo na hora de diferenciar usuário de traficante.
“Aquele menino, aquele rapaz, aquela pessoa que fosse pega em determinada localidade, com determinadas características pessoais, era considerado traficante, com uma quantidade de droga muito menor do que outro, em outra situação, em outro local, com outras características pessoais, passava a ser considerado apenas usuário”, disse a ministra.
“Isto dava um tratamento jurídico-penal, com consequências para a vida dos dois absolutamente diferentes, o que quebra a igualdade. Quebra mais: quebra a segurança jurídica individual, porque cada um de nós sabe – se beber, dirigir, tiver um acidente, você responderá por isso civil e penalmente, conforme as consequências. Pode ser eu, pode ser outra pessoa, pode ser qualquer um de nós, mas nós sabemos quais são as consequências”, acrescentou.
Quantidades
O STF retoma o julgamento nesta quarta (26) para decidir uma quantidade a ser fixada que possa diferenciar o usuário do traficante. Os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso defendem a definição de quantidade pelo STF. Assim como Cármen Lúcia, no entanto, argumentam que a realidade do sistema criminal desfavorece principalmente a população pobre e negra.
“De 2003 a 2017, no Estado de São Paulo, em 72% dos casos, a polícia só tem uma prova: a droga apreendida. É a única prova, eu mesmo coloco no meu voto. Já repetiu várias vezes que isso é uma presunção relativa”, argumentou Moraes.
“O negro, de 18 a 26 anos, analfabeto, ele é condenado com 20 gramas. O branco, curso superior, mais de 30 anos, com 57 gramas. A única prova para os dois. Então a polícia deve produzir mais provas, e com isso, nós vamos evitar esse encarceramento”, completou.
Fux, por outro lado, apontou que o Brasil não está pronto para legalizar o consumo de drogas. “Peço Vênia ao colegiado pela extensão do voto, pela minha dificuldade de superar o dissenso científico, por essa visão realista de que sem regulação, sem atuação do legislativo, a alteração do uso da maconha vai trazer muito mais problema do que solução”.
Barroso, presidente da Corte, corrigiu o colega. Nesse sentido, lembrou que o julgamento em questão não libera nem legaliza o uso de drogas, apenas descriminaliza o porte.