Miguel Nicolelis é um grande brasileiro. Neurocientista, pesquisador e professor emérito da Universidade de Duke (EUA), Nicolelis tem carreira reconhecida internacionalmente por extensa pesquisa e produção literária científica. Agora, o pensador parte para uma nova área do saber: a literatura. Ele lança, neste setembro, seu primeiro romance. Uma ficção científica chamada Nada Mais Será Como Antes, pela editora Planeta, coleção Minotauro.
A TVT News conversou com o professor sobre o desafio, processo criativo, carreira e futuro. Reconhecido por obras científicas aclamadas como O Verdadeiro Criador de Tudo (2020), Nicolelis comemora essa nova fase com a liberdade que o romance permite. Contudo, sem deixar de lado a pegada científica, que está presente de forma assertiva em seu novo livro.
“Já tinha escrito livros de ciência, de neurociência para o público em geral. Mas, na ficção científica é possível adotar um grau de liberdade muito maior. Você pode explorar cenários que evidentemente não é possível descrever na literatura científica por ser um ritual completamente diferente. me permitiu explorar ideias que eu já tinha há muito tempo. Ideias caucadas na ciência que temos hoje e que mostram quais são as possíveis crises que podemos experimentar nas próximas décadas, 20 anos”, explica.
Nada Mais Será Como Antes
Em seu romance, Nicolelis trata, sobretudo, de questões humanas. Ele imaginou um futuro próximo, no qual diferentes crises convergem para um único momento. Crises, estas, totalmente plausíveis e que devem acontecer. Dificilmente ao mesmo tempo, mas esta é a liberdade que o romance dá ao autor. “O livro é de ficção mas baseado em números, teses, achados absolutamente reais e que podem acontecer. Existe chance real deles convergirem em um momento. Coloco no livro 2036, daqui 12 anos”, disse à TVT News.
Nicolelis estará amanhã (7) na 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, no Salão de Ideias, das 13h às 17h, para um debate e também para distribuir autógrafos.
Confira a entrevista com Nicolelis
TVT News: Professor, como foi a experiência de escrever um romance pela primeira vez? Quais os principais desafios no caminho, como foi o processo criativo?
Nicolelis: Foi uma experiência muito interessante, muito diferente de tudo que já tinha feito do ponto de vista literário. Já tinha escrito livros de ciência, de neurociência para o público em geral. Mas, na ficção científica é possível adotar um grau de liberdade muito maior. Você pode explorar cenários que evidentemente não é possível descrever na literatura científica por ser um ritual completamente diferente.
Mas foi interessante, me permitiu explorar ideias que eu já tinha há muito tempo. Ideias caucadas na ciência que temos hoje e que mostram quais são as possíveis crises que podemos experimentar nas próximas décadas, 20 anos. Foi possível sedimentar essas ideias em um thriller, um mistério de ficção científica. Ele é baseado na ciência real que temos hoje.
O professor chegou a dizer que ampliou a produção durante a pandemia, que ampliou sua coleção de anotações. A obra atual é reflexo disso? Existe relação da obra com o contexto da pandemia recente em algum grau?
A pandemia me permitiu concatenar ideias de potenciais crises, de potenciais desafios que a nossa espécie vai experimentar nos próximos anos. Então, foi possível ver como o mundo estava reagindo a uma situação crítica e usar como parâmetro para, eventualmente, o que pode vir a ocorrer. Se essas crises convergirem, como imagino que as chances existem. Então, a pandemia foi um grande ensaio para essas crises.
Quais os principais autores ou obras de referência para composição, em questão de estilo ou temática?
Li muita ficção, Arthur Clark, Isaac Asimov, Kurt Vonnegut. Ele tem um estilo cínico, irônico. De certa maneira me inspirei neste estilo porque ele facilita a transmissão destas ideias, destes conceitos de maneira mais coloquial. Kurt foi uma inspiração o tempo inteiro, nos 5 anos que levei para escrever esse livro.
Qual o objetivo de compor o romance? Algo como um alerta aos leitores, à humanidade?
Minha ideia é usar a ficção para criar um alerta de quantas possibilidades, quantas fragilidades são ignoradas por pura conveniência. Achamos que uma imersão completa no mundo digital é super conveniente, mas não paramos para pensar em como isso impacta a mente humana, o desenvolvimento da mente humana, particularmente nos jovens.
O livro vai nesta direção. Ele me permitiu falar de ciência em um livro muito alto, muito fundamental para nossa espécie em uma linguagem acessível.
Em uma ficção as pessoas se entusiasmam mais. O livro é de ficção mas baseado em números, teses, achados absolutamente reais e que podem acontecer. Existe chance real deles convergirem em um momento. Coloco no livro 2036, daqui 12 anos.
O professor afirma que o tempo é uma criação da mente humana. Esta questão está presente na sua reflexão agora como autor de ficção?
Para quem leu O Verdadeiro Criador de Tudo, ele é quase uma introdução para uma ficção científica. Você não precisa ler para entender a ficção. Mas a ideias que desenvolvi ali estão em grande detalhe e extensão na ficção. Até brinco fazendo referência a um livro publicado 16 anos atrás que traziam ideias e as pessoas achavam que eram só ideias. Mas agora elas ocorrem no dia a dia dos protagonistas que tentam entender o que eles podem fazer para evitar a crise terminal.
Para o futuro. Quais suas perspectivas?
Estou trabalhando em um novo livro de neurociência, dando seguimento para O Verdadeiro Criador de Tudo. Mas também tenho ideia de dar seguimento a essa ficção científica. Estou chegando a conclusão que, se tudo der certo, ele vai virar uma série. Até o fim do ano ele vai ser lançado na China e minha editora chinesa está cobrando uma série de volumes. Porque o livro termina e deixa questionamentos no ar, inclusive sobre os protagonistas.