Uma megaoperação da Polícia Federal, batizada de Sem Desconto, revelou um esquema de fraudes bilionárias envolvendo entidades de fachada que atuavam junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). No centro das investigações está a Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec), que passou de uma arrecadação simbólica de R$ 135 em 2021 para R$ 91 milhões em 2023 — e já havia acumulado R$ 71,6 milhões apenas entre janeiro e março de 2024.
As suspeitas de irregularidades levaram ao afastamento e posterior pedido de demissão do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto. A operação cumpre 211 mandados de busca e apreensão e seis de prisão temporária em 13 estados e no Distrito Federal. As investigações envolvem também o Sindicato Nacional dos Aposentados (Sindnapi), presidido por Frei Chico, irmão do presidente Lula.
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Segundo a Controladoria-Geral da União (CGU), a Ambec e outras entidades similares teriam obtido dados de aposentados e pensionistas por meio de suborno a servidores do INSS. Esses dados eram utilizados para cadastrar beneficiários sem seu consentimento e iniciar descontos mensais em seus contracheques, sob a justificativa de mensalidades associativas ou serviços como assistência jurídica, planos odontológicos e benefícios diversos.
Apesar de os valores dos descontos individuais serem pequenos, o impacto coletivo é gigantesco: R$ 6,3 bilhões teriam sido desviados entre 2019 e 2024. Muitas vítimas sequer percebiam os abatimentos mensais.
A CGU afirma que a Ambec não apresentou comprovações de que os aposentados autorizaram os descontos, como fichas de filiação ou termos de consentimento. Além disso, a estrutura da associação não condiz com o número de afiliados declarados — a sede é considerada inadequada e mais de duas mil reclamações foram registradas contra a entidade.
Estrutura de fachada
A Polícia Federal aponta que a associação funcionava como fachada para o desvio dos recursos. O empresário Maurício Camisotti é tratado como o “sócio oculto” da Ambec e a principal figura do esquema. Ele teria usado familiares como laranjas para movimentar o dinheiro por meio de empresas como a Benfix, Rede Mais Saúde, Prevident, Brasil Dental, entre outras.
O lobista Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como “careca do INSS”, é outro nome central nas investigações. Ele seria o responsável por obter os dados sigilosos dos beneficiários diretamente com funcionários do instituto.
As empresas e pessoas envolvidas tiveram bens bloqueados até o valor de R$ 174 milhões, e o juiz Massimo Palazzolo, da 4.ª Vara Criminal Federal de São Paulo, determinou também a suspensão do acordo de cooperação técnica entre a Ambec e o INSS, firmado em 2021, que permitia os descontos diretamente na folha de pagamento.
Defesa e notas oficiais
Em nota enviada por seus advogados, a Ambec alegou que não realiza captação ativa de associados, função que seria exercida por empresas terceirizadas. A associação se diz vítima, assim como os aposentados, e afirma possuir sede, funcionários e um programa de compliance para garantir a lisura das atividades.
O Sindicato Nacional dos Aposentados, por sua vez, declarou que apoia uma investigação rigorosa para proteger os aposentados e manter a confiança nas instituições que atuam na defesa de seus direitos.
Impacto social e político
A revelação do esquema levanta sérias preocupações sobre a vulnerabilidade dos sistemas de proteção social no Brasil e a facilidade com que dados sensíveis de aposentados podem ser acessados e utilizados indevidamente. O caso também pressiona o governo federal a tomar medidas mais rígidas de fiscalização e transparência nas parcerias firmadas pelo INSS.
A investigação segue em andamento e pode levar a novas prisões e desdobramentos nos próximos dias.