Ministério da Saúde dispensou proteção contratual, e 80% do lote encalhouO governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desperdiçou pelo menos R$ 260 milhões em vacinas CoronaVac adquiridas no final de setembro de 2023. Naquele momento, a vacina já desempenhava um papel secundário na campanha do Sistema Único de Saúde (SUS), pois não estava atualizada para as variantes da covid-19.
De acordo com o que foi apurado pelo jornal Folha de S.Paulo, o Ministério da Saúde dispensou o Instituto Butantan da responsabilidade de substituir os lotes com validade inferior ao prazo estipulado no contrato, dias antes da entrega das doses.
O montante desperdiçado corresponde a aproximadamente 8 milhões de doses que ainda estão no estoque do ministério, todas expiradas ou prestes a vencer, das 10 milhões de unidades compradas.
As informações acerca das vacinas armazenadas foram adquiridas pela Folha através da Lei de Acesso à Informação.
A estimativa do prejuízo do governo ainda é cautelosa, uma vez que o “vacinômetro” do Ministério da Saúde indica que as doses enviadas para Estados e municípios também expiraram.
Desde outubro do ano passado, apenas 260 mil doses da CoronaVac foram administradas no país, o que significa que, no cenário mais desfavorável, mais de 97% da aquisição foi desperdiçada.
O ministério não forneceu à Folha a razão pela qual continuou a aquisição da vacina que já não estava mais em uso no SUS. A secretaria também não verificou o número de doses perdidas, além daquelas que ainda estão em estoque.
Compra do imunizante envolveu processo burocrático
A obtenção do imunizante se prolongou de 24 de fevereiro a 28 de setembro do ano anterior.
A ideia do Ministério da Saúde era ter aplicado as doses a partir de maio na campanha de multivacinação, mas o imunizante chegou aos estoques do governo Lula em 25 de outubro.
O ministério informou que adquiriu a CoronaVac para a população infantil, tendo o volume comprado “levou em consideração a estimativa para completar o esquema vacinal (três doses) de crianças de 3 a 11 anos”. O custo total das 10 milhões de doses foi de R$ 330 milhões.
A escolha de descartar a “carta de troca das doses” com validade curta foi realizada por e-mail e sem um parecer jurídico anexado ao processo.
Técnicos da pasta disseram, entre outras justificativas, que a compra estava atrasada e havia veto da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a produção de novos produtos que só tivessem autorização emergencial de uso.
Ou seja, seria inviável o Butantan fabricar novas doses para repor o estoque eventualmente vencido, pois a CoronaVac não tem o registro definitivo da agência.
Os documentos também indicam que a produção das vacinas pelo laboratório ocorreu entre fevereiro e março de 2023, aproximadamente sete meses antes da compra ser formalizada.
O instituto comunicou à Anvisa que desistiu do pedido de registro definitivo do imunizante, após as doses serem entregues à Saúde, pois não tinha mais interesse em produzir a vacina, finalizando o ciclo da CoronaVac no Brasil.
A aquisição mais volumosa de vacinas da covid-19 no primeiro ano do governo Lula foi o contrato em questão. Mesmo assim, não houve divulgação no site oficial ou nas redes sociais do departamento. A confirmação da compra foi publicada somente no Diário Oficial da União.
Em dezembro de 2023, poucas semanas após o recebimento das doses, houve uma alteração nas orientações do ministério a respeito da campanha de vacinação no SUS. Foi determinado que a CoronaVac deveria ser usada em “situações específicas”, como por exemplo, na ausência ou contraindicação de outras vacinas para crianças de 3 a 4 anos, assim como em crianças que não foram imunizadas na idade sugerida.
Ministério não respondeu sobre acerto de compra da CoronaVac
Quando questionado pela Folha, o Ministério da Saúde não confirmou se existia um acordo, mesmo que não oficial, para adquirir as doses já produzidas pelo laboratório de São Paulo.
O Butantan disse que “o lote de 10 milhões, disponível já em março de 2023, foi entregue dentro do prazo de validade estipulado pelo Ministério da Saúde”.
O Instituto submeteu propostas em fevereiro, maio e setembro, todas prevendo a entrega das doses em no máximo dez dias, conforme o procedimento de aquisição. No entanto, o Ministério da Saúde postergou a conclusão da compra várias vezes para solucionar questões técnicas e jurídicas.
A previsão do Ministério da Saúde era de fornecer 70 milhões de imunizantes até 2024, no entanto, apenas uma compra emergencial de 12,5 milhões de vacinas da Moderna, ajustadas para a variante XBB, foi acertada e, mesmo assim, foi entregue com atraso a partir de maio. Adicionalmente, uma licitação para até 69 milhões de doses ainda está em processo. As informações são da Revista Oeste.