O que está acontecendo com o dólar? Para o economista Márcio Holland, professor na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP) e ex-secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda — governo Dilma Rousseff —, a resposta a essa pergunta é simples: “O Brasil passa por uma crise de confiança na política fiscal”.
Graças a ela, observa o professor da FGV, a “taxa Selic poderá ultrapassar exorbitantes 15% ao ano e o mercado de dólar deve permanecer, por um bom tempo, estressado”. “Nestas circunstâncias, os mercados reagem com veemência, desfazem seus investimentos no país, mesmo com taxa de juros atrativa”, afirma.
Para Holland, contudo, o diagnóstico de que o Brasil está sob a dominância fiscal é precipitado. Nessa situação extrema, mesmo elevadas taxas de juros domésticas, que supostamente seriam altamente atraentes para os estrangeiros, passam a não ser suficientes para conter as saídas de capitais, o que provocaria forte desvalorização da moeda e mais inflação.
“É preciso esperar um pouco mais para confirmar esse diagnóstico”, diz Holland. Ele, contudo, acrescenta: “Mas é incrível como o governo criou uma crise de confiança com o país crescendo mais de 3% ao ano, taxas de desemprego em níveis historicamente baixos e aprovação da reforma tributária, que deveria estar provocando grande euforia dos investimentos de longo prazo e deslocando o crescimento potencial para cima”.
Histórico da criseO economista destaca que a crise de confiança não começou neste mês, quando a taxa de câmbio atingiu R$ 6,26 — nesta quinta-feira, 19/12, chegou a R$ 6,30. “Ela vem sendo construída gradualmente e, em especial, desde o anúncio do novo arcabouço fiscal, em substituição à regra de teto de gastos”, afirma. “Naquele momento, o mercado tolerou a nova regra, porque, de um lado, o teto de gastos já estava desabando e, de outro, havia a promessa de entregar resultados primários melhores do que os projetados naquele momento pelo mercado.”
O problema, na avaliação do professor da FGV, foi que o novo arcabouço fiscal nunca se comprometeu em entregar superávits primários (saldos positivos nas contas públicas antes do pagamento de juros) suficientes para estabilizar a relação entre a dívida pública e o PIB. “Trata-se de um caso curioso de regra fiscal que não promete o básico, ou seja, manter a dívida pública controlada”, diz.
Adeus ao centro da metaDepois disso, diz Holland, a cada avaliação bimestral do Tesouro Nacional ia-se desenhando a ideia de que o governo não estava mais preocupado com o centro das metas de resultados primários do novo arcabouço fiscal. “Ele iria buscar o mínimo, o piso, um déficit primário. Em contexto de crescimento econômico, é inexplicável que a dívida cresça para além de 80% do Produto Interno Bruto (PIB) e que o país tenha um déficit nominal de 9,5% do PIB, ou seja, um rombo de R$ 1 trilhão”.
Mais tarde, observa o economista, começaram as suspeitas de manobras fiscais, com propostas de programas governamentais que não teriam despesas no orçamento público. E, finalmente, o frustrante pacote de medidas fiscais, que combinou forte aumento de despesas públicas com cortes tímidos de gastos.
Incerteza externaPara complicar, o quadro externo introduziu nesse caldo um novo fator de incerteza. “No meio do caminho (novembro), Donald Trump ganhou as eleições nos Estados Unidos e azedou o já incerto cenário internacional, alterando substancialmente a velocidade do afrouxamento monetário naquele país”, afirma Holland. “Espera-se que a ‘Trumpeconomics’ seja mais inflacionista e, com isso, o Banco Central dos Estados Unidos mais conservador.”
Essa perspectiva, na avaliação do economista, já provocou um aumento da aversão ao risco das economias emergentes, como a brasileira.
“Contudo, a crise de confiança é culpa principalmente dos sucessivos erros de condução da política fiscal”, diz. “O pacote de medidas fiscais foi decepcionante. Foi a gota d’água para o mau humor do mercado transbordar.”
SobrevivênciaPara Holland, uma mudança na condução da política fiscal “não é mais uma questão de vontade política ou ideologia partidária”. “Trata-se de sobrevivência política”, diz. “Vide o ocorrido nos Estados Unidos com o presidente Joe Biden, que não conseguiu manter seu partido no poder, mesmo com a economia indo bem.”