A tramitação acelerada do Projeto de Lei 825/2024, de autoria do vereador Milton Leite (União Brasil), é alvo de críticas de especialistas e instituições ligadas ao setor de transporte sustentável. O PL 825/2024 propõe a prorrogação para 2054 do prazo para a transição da frota de ônibus movidos a diesel para veículos não poluentes em São Paulo, alterando a Lei 16.802/2018 que previa 2038.
O PL foi aprovado em primeira votação pela Câmara Municipal de São Paulo no dia 4 de dezembro, sem debates prévios, e seu texto só se tornou público três dias depois, em 7 de dezembro. A Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) manifestou-se contrária à proposta, apontando uma série de retrocessos no que considera um marco no transporte sustentável público da capital.
Para a ABVE, o novo projeto de lei representa uma “emenda à emenda”, atrasando ainda mais um compromisso crucial para a descarbonização do transporte público paulistano. Segundo a associação, o PL ameaça não apenas a saúde pública e os avanços na qualidade ambiental, mas também uma cadeia produtiva nacional de ônibus elétricos, consolidada nos últimos anos.
Transporte sustentável
A ABVE rebate os principais argumentos apresentados no PL. A justificativa de que a tecnologia de ônibus elétricos no Brasil ainda não estaria madura é classificada como infundada, dado que a indústria nacional já tem capacidade de produzir até 10 mil veículos por ano e que São Paulo conta atualmente com quase 700 ônibus elétricos operando com ótimo desempenho.
Além disso, a entidade destaca que a Lei 16.802/2018 gerou impactos positivos ao fomentar uma cadeia produtiva robusta, formada por empresas nacionais e multinacionais que investem em tecnologia, geram empregos e desenvolvem soluções exportáveis.
Outro ponto de discórdia é a possibilidade, prevista no PL 825/2024, de empresas de ônibus utilizarem créditos de carbono como alternativa ao cumprimento das metas de transição. Para a ABVE, essa medida desvirtua o objetivo da Lei 16.802, que não se limita a uma compensação contábil de emissões, mas busca benefícios concretos à saúde da população e à qualidade do transporte sustentável.
A proposta, caso aprovada, é vista como um retrocesso ao protagonismo conquistado por São Paulo no cenário nacional e internacional em transporte sustentável, prejudicando a imagem da própria Câmara Municipal, que havia aprovado a legislação vigente.
Apelo por sustentabilidade
Por fim, a ABVE faz um apelo aos vereadores para que rejeitem o PL 825/2024 e reforcem o compromisso com o prazo original de 2038 para a transição total para o transporte sustentável. A entidade também destaca a necessidade de fortalecer a infraestrutura de recarga elétrica e impedir a entrada de novos ônibus a diesel na cidade, medidas que seriam mais alinhadas às metas de descarbonização e ao legado sustentável que São Paulo pode oferecer.
Leia na íntegra a nota da ABVE
A ABVE (Associação Brasileria do Veículo Elétrico) foi surpreendida pela tramitação-relâmpago do Projeto de Lei 825/2024, de autoria do vereador Milton Leite (União Brasil), que foi aprovado em primeira votação sem debate prévio pela Câmara Municipal de São Paulo, no dia 4 de dezembro, e cujo conteúdo só se tornou público no último dia 7.
A ABVE faz as seguintes considerações:
1- O PL é um retrocesso em relação à Lei 16.802/2018. Esta lei foi o resultado de um longo e democrático debate, e estabeleceu um prazo factível – até 2038 – à transição dos mais de 12 mil ônibus a diesel da cidade de São Paulo para veículos não poluentes.
2- A Lei 16.802/2018, por sua vez, foi uma emenda à anterior Lei de Mudança do Clima da Cidade de São Paulo (14.933/2009), que havia fixado um prazo de dez anos, até 2018, à plena conversão das frotas de ônibus paulistanas para veículos de zero ou baixa emissão. Como se sabe, a Lei 14.933 não foi cumprida, ensejando a reprogramação de seus prazos.
3- O PL 825, portanto, propõe-se a emendar a emenda, prorrogando ainda mais – até 2054 – o prazo final da transição energética da frota de ônibus de São Paulo. A ABVE considera essa iniciativa um erro e apela à maioria da Câmara para que não a aprove.
4- A ABVE entende que os vereadores de São Paulo podem fazer melhor, a saber: garantir o fiel cumprimento do prazo final de 2038, reforçar a determinação da Prefeitura de impedir a entrada de novos ônibus a diesel no sistema e cobrar as providências necessárias para que a infraestrutura municipal de recarga elétrica acompanhe rigorosamente o cronograma de eletrificação das frotas.
5- A justificativa do PL 825 de que a tecnologia de ônibus elétricos no Brasil ainda não estaria amadurecida e não poderia entregar os veículos previstos não resiste aos fatos. Em 2023, as empresas de ônibus elétricos associadas à ABVE enviaram documento ao Ministério do Desenvolvimento (MDIC) atestando que a indústria brasileira, com a estrutura produtiva já existente, é capaz de produzir até 10 mil veículos elétricos/ano.
6- Além disso, já há quase 700 ônibus elétricos em circulação no Brasil, a grande maioria na cidade de São Paulo, e com ótimo desempenho operacional. A tecnologia de fato é nova, mas os resultados falam por si.
7- Outro argumento do PL 825, de que as empresas de ônibus poderiam atender a suas metas de descarbonização ao adquirir créditos de carbono no mercado, em vez de investir em ônibus elétricos, sustenta-se numa falácia. A Lei 16.802 não visa apenas atender a uma planilha de créditos e débitos de carbono, e sim dotar a cidade de São Paulo de uma frota de ônibus de poluição zero, propiciando benefícios reais, e não meramente contábeis, à saúde dos paulistanos, ao controle das emissões e à qualidade do transporte municipal.
8- A Lei 16.802 contribuiu para consolidar uma sólida cadeia produtiva de ônibus elétricos no Brasil, composta por empresas brasileiras de tecnologia de tração elétrica, motores, inversores elétricos, baterias, sistemas de recarga, chassis, peças e componentes. São empresas brasileiras e multinacionais já instaladas, gerando emprego e renda no país, e aptas a tornar-se referência global em transporte público sustentável, com tecnologia nacional e alto potencial exportador.
9- O PL 825, se aprovado, teria impacto altamente negativo nessa ampla cadeia produtiva, gerando insegurança e comprometendo investimentos.
10- Cabe ressaltar, por fim, que a Lei 16.802 rapidamente foi reconhecida no Brasil e no exterior como exemplo de ousadia e inovação, colocando o Município de São Paulo na liderança nacional em sustentabilidade no transporte público. Tal como está, o PL 825 revogará esse protagonismo – vale dizer, revogará o protagonismo da própria Câmara Municipal, que aprovou a referida lei numa sessão histórica no final de 2017.