Na última semana, um episódio polêmico tomou conta das redes sociais e do debate político nacional: uma declaração do governador da Bahia sobre Jair Bolsonaro e seus apoiadores. Segundo o próprio ex-presidente, o governador teria dito que os bolsonaristas deveriam “ir para a vala”, uma frase carregada de agressividade e intolerância, especialmente quando se trata de um representante do poder público. A fala, apesar de grave, não causou nenhuma comoção institucional — o que levanta um importante alerta sobre o atual cenário político brasileiro.
Ausência de reação institucional
Em um país que se diz democrático e comprometido com o Estado de Direito, é esperado que declarações violentas vindas de figuras públicas sejam tratadas com seriedade. No entanto, como aponta Bolsonaro, nenhuma atitude foi tomada. Não houve abertura de inquérito por incitação ao ódio, nenhuma movimentação da Polícia Federal, nem mesmo uma nota de repúdio por parte do Supremo Tribunal Federal ou de seus ministros, que frequentemente se posicionam com firmeza sobre declarações consideradas antidemocráticas quando partem da oposição.
Esse silêncio institucional chama a atenção não apenas pela omissão, mas pelo aparente padrão de tratamento seletivo. Quando a declaração parte de alguém alinhado com ideologias progressistas, ela é ignorada ou até relativizada. Mas se a mesma retórica fosse usada por um apoiador de Bolsonaro, a reação seria instantânea e amplamente divulgada.
Dois pesos, duas medidas
Basta uma breve reflexão: imagine se um bolsonarista dissesse algo semelhante, mencionando a palavra “vala” em qualquer contexto político. A imprensa logo rotularia o discurso como “golpista”, as manchetes se multiplicariam, autoridades agiriam com velocidade e, certamente, haveria prisões e processos. O termo “ameaça à democracia” seria repetido exaustivamente.
Esse comportamento seletivo mostra que, para muitos, o problema não é o discurso de ódio em si, mas quem o profere. O que deveria ser condenado universalmente, independente de quem fala, se tornou um instrumento de poder. A repressão é ativada conforme a conveniência ideológica, criando um cenário perigoso de parcialidade institucional.
O incentivo à violência política
Quando autoridades podem desejar abertamente a destruição moral e até física de seus adversários, sem consequências, o sistema democrático perde um de seus pilares fundamentais: o respeito à pluralidade de pensamento. A liberdade de expressão não pode ser distorcida para acobertar agressões, tampouco pode ser usada como escudo para legitimar a violência simbólica ou real.
Declarações como a do governador da Bahia, quando não são confrontadas, acabam incentivando o pior lado da política: a intolerância e a perseguição. A mensagem passada é clara — quem pensa diferente pode ser alvo. E mais grave ainda: pode ser alvo com o respaldo do silêncio das instituições.
A normalização da barbárie
Estamos diante de um cenário em que a violência verbal e simbólica está sendo institucionalizada, desde que venha do lado “certo” da política. O verniz progressista tem servido para justificar comportamentos autoritários, enquanto o discurso conservador é constantemente vigiado, censurado e punido.
Ao tolerar o desejo explícito de eliminação do outro, o sistema não só fecha os olhos para o extremismo, como o alimenta. E o mais preocupante é que isso vem do topo — de pessoas com poder real para influenciar a sociedade, moldar opiniões e até ditar normas de conduta.
O papel das instituições e da mídia
Em tempos normais, o papel da mídia seria cobrar respostas, investigar os fatos e exigir que a Justiça agisse de forma imparcial. Mas o que se vê é um cenário de omissão ou, em alguns casos, de cumplicidade. A ausência de repercussão midiática reforça a ideia de que certos discursos podem tudo, enquanto outros devem ser combatidos a qualquer custo.
Da mesma forma, instituições como o STF, que tanto se mostram preocupadas com a preservação da democracia, permanecem em silêncio quando a ameaça parte de aliados ideológicos. A seletividade mina a confiança pública e transforma o combate ao ódio em uma ferramenta de perseguição política, e não de justiça.
Onde está a verdadeira ameaça?
A retórica violenta de um governador é muito mais perigosa do que mensagens em grupos de WhatsApp ou faixas em manifestações populares. Porque, ao partir de alguém com poder institucional, essa fala carrega o peso da legalidade, da autoridade e da impunidade. Ela dá o sinal verde para que outros se sintam à vontade para repetir o mesmo padrão.
Portanto, a verdadeira ameaça à democracia não está no povo que vai às ruas ou na internet. Ela está onde poucos têm coragem de olhar: no topo do sistema, nos corredores do poder, nas bocas daqueles que, sob a bandeira da tolerância, praticam justamente o contrário.
Conclusão: um chamado à coerência
Se o Brasil deseja realmente proteger sua democracia, é preciso estabelecer uma regra clara e justa: o que é inaceitável vindo de um lado, também deve ser inaceitável vindo do outro. O ódio não pode ser seletivo, a justiça não pode ser partidária e a liberdade de expressão não pode ser distorcida para servir a interesses ideológicos.
A frase dita pelo governador da Bahia é um alerta. Não apenas sobre o que foi dito, mas sobre o que não foi feito. O silêncio institucional diante de um discurso tão agressivo revela que o problema do país não é o excesso de liberdade — é a falta de coerência e imparcialidade daqueles que deveriam zelar por ela.