Os Estados Unidos consolidaram ao longo dos anos políticas migratórias cada vez mais restritivas. No governo de Donald Trump, entre 2017 e 2021, deportações em massa de imigrantes ilegais ganharam novos contornos, permeados por discurso de ódio e xenofobia. Existem relatos de violações aos direitos humanos. Agora, em sua segunda gestão à frente do país, o político de extrema direita parece ter endurecido o radicalismo.
Vale ressaltar que impacto das políticas restritivas ecoaram também durante o governo do democrata Joe Biden, como evidencia o tratamento dispensado a milhares de deportados nos últimos anos. Contudo, agora existem relatos de que os primeiros deportados de Trump estão sofrendo com condições desumanas e torturas no processo. A Polícia Federal (PF), inclusive, está investigando esta situação. Já o Itamaraty também quer explicações dos EUA sobre o caso.
Imigrantes acorrentados
Na última sexta-feira (24), 158 brasileiros deportados dos Estados Unidos chegaram ao Brasil, somando-se aos mais de 3.000 imigrantes devolvidos ao país entre 2023 e 2025. Entre as práticas mais criticadas está o uso de algemas durante os processos de deportação. Embora legalmente permitido em alguns países,o uso de medidas coercitivas como essa levanta questões éticas e legais, principalmente à luz de tratados internacionais.
Para o advogado Fernando Canutto, especialista em Direito Internacional e sócio do Godke Advogados, o uso de algemas deve ser analisado sob a ótica da proporcionalidade e dignidade humana. “Mesmo em casos criminais, a prática de algemar deve ser necessária e proporcional, conforme estipulado por normas como a Convenção contra a Tortura e os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e de Armas de Fogo pelas Autoridades Aplicadoras da Lei”, afirma Canutto.
Deportações em cada país
As deportações nos Estados Unidos, altamente judicializadas e punitivas, contrastam fortemente com a abordagem adotada no Brasil, onde o processo é predominantemente administrativo e menos coercitivo. De acordo com Canutto, “diferentemente dos Estados Unidos, onde o processo pode ser mais rigoroso e ‘judicializado’, o Brasil adota uma abordagem administrativa e menos punitiva, priorizando a mediação e regularização sempre que possível”. No Brasil, a Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017) estabelece que deportações só ocorrem após notificação formal e esgotamento das possibilidades de regularização.
O contexto geopolítico e as dinâmicas migratórias dos dois países ajudam a explicar as diferentes abordagens. Os Estados Unidos, como principal destino mundial de migrantes, enfrentam pressões de fluxos massivos e heterogêneos de imigração, o que alimenta xenofobia, políticas mais rígidas e até desumanas. “Milhões de pessoas de diversas partes do mundo tentam ingressar anualmente no território norte-americano, frequentemente enfrentando políticas migratórias rigorosas e um sistema altamente judicializado”, completa Canutto.
Brasil acolhedor
Por outro lado, o Brasil é mais um país de trânsito ou acolhimento regional, recebendo migrantes principalmente da América Latina. Mesmo assim, isso não exime o país de desafios. O advogado pontua que o Brasil, apesar de adotar uma abordagem mais humanitária, também precisa lidar com fluxos crescentes de migrantes, o que exige políticas consistentes e respeitosas aos direitos humanos.
O uso de práticas como as algemas durante a deportação evidencia, no entanto, um grave retrocesso no debate sobre dignidade e direitos humanos. Não é apenas o ato de deportar que está em questão, mas a forma como as pessoas, muitas vezes em situação de vulnerabilidade extrema, são tratadas. Ainda que os Estados Unidos sigam argumentando que estão aplicando sua legislação interna, ignorar convenções internacionais e princípios básicos de dignidade é algo que não pode ser relativizado.
Reunião sobre Trump
A Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) fará reunião de emergência quinta-feira (30) para tratar da questão das deportações, pelo governo norte-americano, de imigrantes ilegais. O encontro foi pedido nesse domingo (26) pelo presidente da Colômbia, Gustavo Petro, e marcado pela presidente hondurenha Xiomara Castro, que também preside a Celac. Assim, a América Latina e o Caribe devem traçar o panorâma do que fazer com a situação.