24 de março marca um dos golpes de Estado mais sangrentos. A partir de 1976, 30 mil mortos, sequestro de bebês, e mais absurdos na Argentina
Hoje é o Dia da Memória, Verdade e Justiça na Argentina. O 24 de março marca o golpe de Estado de direita que derrubou Isabel Perón como presidenta em 1976.
O dia foi marcado por grandes manifestações em diversas cidades do país. Os protestos tiveram como principal foco a denúncia contra o negacionismo e o corte de direitos promovidos pelo governo de extrema direita de Javier Milei, que rejeita os abusos e defende a ditadura, tal qual seu par ideológico no Brasil, Jair Bolsonaro.
Em Buenos Aires, uma multidão se reuniu na Plaza de Mayo para reforçar a unidade das organizações de direitos humanos e exigir que o Estado garanta a restituição da identidade dos netos e netas roubados pela ditadura militar.
O golpe militar de 1976 deu início a uma das ditaduras mais sangrentas da América Latina. Durante o regime, que durou até 1983, aproximadamente 30.000 pessoas foram sequestradas, torturadas e assassinadas pelo Estado.
Entre os crimes cometidos pela ditadura, destacou-se o sequestro sistemático de bebês, filhos de presos políticos, que foram entregues a famílias ligadas ao regime. Desde a redemocratização, a Argentina tem se empenhado no resgate da memória e na busca por justiça, tornando essa data um símbolo da luta pelos direitos humanos no país.
Para que não se repita
Durante o ato principal, foi lido um documento no qual os manifestantes cobraram que o governo cumpra seu papel na busca pela identidade das crianças sequestradas pelo regime militar. Estela de Carlotto, presidenta das Avós da Praça de Maio, destacou que a apropriação dessas crianças foi um crime de desaparecimento forçado, cujos efeitos persistem até que suas verdadeiras identidades sejam restituídas. “Ainda que a vítima tivesse iniciado a discussão e ofendido a honra da ré, a resposta consistente em constrangê-la com uma arma não pode ser considerada legítima. A legislação penal prevê mecanismos específicos para lidar com crimes contra a honra e ameaças e não legitima qualquer forma de retaliação armada”, afirmou.
O documento também incluiu demandas mais amplas relacionadas a violações de direitos humanos na democracia, como a aparição de Jorge Julio López, o fim da repressão institucional e a libertação de presos políticos, incluindo Milagro Sala. Além disso, houve cobranças pelo respeito aos direitos dos povos indígenas e o fim das torturas e mortes em locais de detenção.
O sindicato ATE participou das manifestações e criticou duramente o governo Milei por, segundo eles, “legitimar os crimes da ditadura” e implementar um programa econômico semelhante ao daquele período. O secretário-geral da entidade, Rodolfo Aguiar, ressaltou que mais de 60% dos desaparecidos eram sindicalistas e que a atual administração ataca direitos trabalhistas e sindicatos para favorecer grandes empresas. “Não esquecemos, não perdoamos e não vamos nos reconciliar jamais com os autores dos crimes da ditadura”, enfatizou.
Estela de Carlotto: “Este ano é um 24 muito especial”
Estela de Carlotto, presidenta das Avós da Praça de Maio, afirmou que este ano o 24 de março teve um significado especial devido ao contexto político. “Está a praça cheia de gente que está protestando, lutando, fazendo tudo o que o espírito dos argentinos exige”, declarou.
Ela ressaltou que o momento exige presença e mobilização e criticou a atual gestão: “Não sei se com isso conseguiremos mudar a situação do governo. Não se trata de derrubar um presidente, mas de exigir que ele cumpra o que deve e não diga o que não deve”.
Estela também denunciou a postura do governo Milei em relação aos direitos humanos: “Estamos passando por um momento muito difícil. Nossa dor é eterna, nossa luta é pacífica, mas há um ataque à dignidade do país de uma maneira muito triste”. Ela enfatizou que sua organização sempre foi recebida por governos democráticos, com exceção da atual administração.
Futebol e resistência na Argentina
Clubes de futebol argentino também se manifestaram. Times como Boca Juniors, River Plate, Independiente e San Lorenzo compartilharam mensagens de “Nunca Mais” e imagens de torcedores desaparecidos. O Racing Club inaugurou um mural em homenagem a seis pessoas fuziladas em 1977 em frente ao seu estádio. Ferro Carril Oeste lembrou os 18 sócios desaparecidos com um vídeo emocionante, destacando que suas memórias permanecem vivas nas arquibancadas.
Clube são muito mais que futebol. Hoje, aniversário do famigerado golpe militar na Argentina, os clubes do país não esquecem de seu papel na sociedade. pic.twitter.com/4aoIj6ZES0— André Rizek (@andrizek) March 24, 2025
Amnistia Internacional e memória argentina
A Anistia Internacional reforçou a importância do legado de Memória, Verdade e Justiça no país. Em suas redes sociais, destacou que a lembrança dos crimes da ditadura é essencial, especialmente em um momento em que há tentativas de relativização dos fatos históricos. A organização utilizou o ensaio fotográfico ‘Ausências Argentinas’, de Gustavo Germano, para ilustrar o vazio deixado pelas vítimas da repressão estatal. “Nosso compromisso é manter viva a memória como modelo de resistência contra discursos negacionistas”, declarou a entidade.
Com uma forte presença nas ruas e um chamado coletivo à memória histórica, a Argentina reforçou neste 24 de março seu compromisso com a luta pelos direitos humanos e contra retrocessos políticos e sociais.
Com informações do Página12