Artigo do presidente da Casa Neon Cunha, ONG que abriga e acolhe a população LGBTQIAP+ em situação de extrema vulnerabilidade do ABC Paulista faz panorama de como as administrações municipais que assumiram esse ano cuidam da questão LGBTQIA+ no ABC. Leia o artigo completo em TVT News.
2025: o que temos e o que esperar para a população LGBTQIA+ no ABC
Por Paulo Araújo, presidente da Casa Neon Cunha
Chegou 2025. O novo ano se inicia pós eleições municipais em que vimos novamente se moldar os interesses dos vitoriosos desse processo. De um lado, os compromissos de campanha que foram prometidos para serem realizados (ou não). Do outro, um anseio da população para que toda e qualquer demanda reprimida seja realizada. É hora de cobrar dos eleitos que governem para toda a população, independentemente de raça, orientação, crença, etnia e preferências políticas.
Para a população LGBTQIA+ no ABC o que interessa nesse momento é aquilo que será executado de fato, em quais áreas haverá avanços, além de saber quais serão os retrocessos, visto que os prefeitos eleitos nas sete cidades do ABC Paulista não deixaram claro ou não se comprometeram, durante o pleito eleitoral, com questões ou programas relacionados à população LGBTQIA+.
No entanto, houve sincronia dos candidatos ao afirmarem que governariam para todos. Será que isso inclui apenas aqueles que vivem de acordo com os padrões heteronormativos?
Em Diadema, o ex-prefeito José de Filippi Junior não foi reeleito. Aliás, a cidade foi a que mais investiu e implementou políticas LGBTQIA+, criando uma pasta específica que destinou equipamentos de saúde focados na saúde desse segmento da população, como o “Ambulatório Dia Trans”, além de programas de letramento, empregabilidade e combate à violência. Esperamos que haja continuidade desses programas, bem como mais avanços, visto que o prefeito eleito, Taka Yamaguchi, destacou um novo coordenador para assumir a área.
Em Santo André, Gilvan Junior, sucessor do antigo mandatário, afirmou que dará continuidade aos programas LGBTQIA+ da cidade, mantendo o laboratório de saúde trans, integrado ao Poupa Saúde, além de manter a equipe de profissionais que fazem parte do segmento LGBTQIA+, o que fortalece a pauta na cidade.
As iniciativas são de extrema relevância, mas como foram implementadas apenas nos dois últimos anos da última gestão. É preciso expandi-las e fortalecê-las, sobretudo para facilitar o acesso das trabalhadoras sexuais travestis e transexuais que ocupam a região da Avenida Industrial há 50 anos e sonham com uma inclusão de fato e que as alcance.
A cidade de São Caetano do Sul também implementou um ambulatório de Saúde Trans, lutando contra os extremistas que, ao invés de produzir e fiscalizar o município, usam a cadeira na câmara municipal para perseguir um serviço tão necessário.
Esperamos que o município que possui o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, seja também um bom lugar para se viver mesmo sendo LGBTQIA+, sobretudo para os negros e aqueles que estão em situação de rua. Que sejam acolhidos, e não remanejados para as cidades vizinhas.
Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, apesar de serem cidades pequenas, são grandes em ações com iniciativas como o Conselho LGBT e o Festival da Diversidade, com faixas de pedestre pintadas nas cores da bandeira LGBT, até ações de mutirão para retificação de nome e gênero para a população Trans. Espera-se que os prefeitos eleitos, Akira Auriani e Guto Volpi, continuem com as boas práticas de diversidade e inclusão em suas respectivas cidades.
Apesar de ter um prefeito de esquerda, em Mauá não foi possível observar muitas conquistas para a população LGBTQIA+ no ABC. Não é possível afirmar se houve má vontade ou se foi apenas uma estratégia eleitoral para não perder o voto conservador, já que Marcelo Oliveira, reeleito, é declaradamente defensor de valores conservadores, ligados à igreja.
Desejamos que o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC possa investir em práticas que façam a diferença à população LGBTQIA+. Foto: Acervo Casa Neon Cunha
Aproveito para esclarecer que não tenho pretensão alguma de ofender os seguidores da fé cristã, rogo apenas para que parem de deslegitimar a existência de vidas LGBTQIA+.
Por último, mas não menos importante, São Bernardo do Campo, cidade onde está localizada a Casa Neon Cunha — entidade de referência nacional em promover inclusão humanizada e com autonomia para a população LGBTQIA+ — possui apenas um decreto de uso de nome social para pessoas trans.
O ex-prefeito Orlando Morando ostenta uma denúncia na Organização das Nações Unidas (ONU) por racismo institucional, além de ter sido denunciado no Ministério Público de São Paulo por não investir em políticas voltadas à população LGBTQIA+ no ABC.
Apesar da relevância de São Bernardo para a região, e também para o Brasil, a cidade não possui Conselho LGBT, importante instrumento de participação democrático e exercício da cidadania. Além disso, São Bernardo do Campo, que tem um dos maiores orçamentos do país (mais de R$ 7 bilhões no ano de 2024), também não possui equipamento de saúde voltado para essa população, coordenadoria e nem mesmo assessoria específica para a pasta.
A estrutura, ou sua ausência, não contribuiu nem mesmo para a realização da Parada do Orgulho LGBTQIA+ de 2023, que, por parte do poder público, contou apenas com a autorização de uso da via pública e a boa vontade em não inibir a realização.
O evento é um exemplo de que as conquistas LGBTQIA+ na cidade foram produzidas com grande esforço da sociedade civil e nenhum esforço, de fato, do poder Executivo ou do Legislativo.
Com a eleição de Marcelo Lima, novo prefeito em São Bernardo (que aliás rompeu com o grupo político de Morando), espera-se que haja novas possibilidades de investimentos em políticas LGBTQIA+ e que a cidade não apenas saia do marco zero, mas também possa ser referência de atuação nessa área, preferencialmente fortalecendo as iniciativas e entidades que já atuam na cidade graças à mobilização da sociedade civil organizada.
Por fim, desejamos ainda que o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, entidade que reúne as cidades da Região, além de propor diretrizes e orientações para o segmento LGBTQIA+ nos sete municípios, também possa investir em práticas que façam a diferença à população LGBTQIA+ de todo o grande ABC.
Sobre o autor
É Autor do PL Neon Cunha que traz gratuidade para retificação de nome e gênero para pessoas trans no estado de São Paulo.