Em 23 de setembro é celebrado o Dia da Visibilidade Bissexual. A data é em referência a morte do psicanalista Sigmund Freud, pensador importante ao cunhar a bissexualidade dentro do campo científico ao descrever a orientação sexual como “pessoas com uma suposta combinação de masculinidade e feminilidade psicológica”.
De acordo com um levantamento do IBGE, em 2019, 1,1 milhão de brasileiros se autodeclaravam bissexuais. O número corresponde a 0,7% da população. Para parâmetro, bissexuais são pessoas que se relacionam sexualmente e afetivamente com pessoas de mais de um gênero, seja cis ou trans.
Bifobia e a invisibilidade bissexual
A bifobia é primariamente a aversão e o preconceito à bissexualidade, gerada de estereótipos que reforçam a invisibilidade das pessoas bissexuais na sociedade e até dentro da comunidade LGBTQIAPN+.
Há quem diga que bissexuais são pessoas imorais ou desleais. Muitos indivíduos, dentro e fora da comunidade LGBTQIAP+, consideram que a bissexualidade é um armário ou um acessório. Se a pessoa se relaciona com outra do mesmo gênero, na realidade ela é homossexual e tem medo de assumir sua sexualidade; se ela se relaciona com outra de um gênero diferente, ela é heterossexual e quer se tornar da comunidade. Mas é necessário refletir: afinal, por que uma pessoa se sujeitaria a sofrer violência e a ser invisibilizada perante à sociedade?
De acordo com Inácio Saldanha, historiador e antropólogo, membro da Rede Brasileira de Estudos sobre Bissexualidade e Monodissidência (REBIM), o apagamento da bissexualidade acontece não só quando a sociedade considera que as pessoas bissexuais não sofrem violência por sua orientação sexual, mas também quando os serviços sociais e de acolhimento não reconhecem os bissexuais como alvo dessas políticas públicas: “Pensam que as pessoas bissexuais não sofrem violência, então não precisam estar aqui. Resta o movimento bissexual ter o esforço de “bater na porta” e dizer: não, esse lugar é nosso também”, enfatiza o especialista.
Para se ter uma ideia deste apagamento, dados produzidos pelo Ministério da Saúde indicam que a violência interpessoal, psicológica e material, inclusive na 3ª idade, tem sido maior entre a população bissexual do que, em certos casos, até de pessoas transsexuais. Outro estudo, dessa vez sobre o impacto da pandemia na vida das pessoas LGBTQIAPN+ no Brasil, indicou que o índice de vulnerabilidade das pessoas bissexuais durante este período estava mais próximo das pessoas transexuais do que das homossexuais.
Inácio ainda ressalta que há dificuldade em quantificar e criar estatísticas, já que acontece uma grande subnotificação gerada pelos escassos dados sobre a população bissexual no Brasil. Ele dá exemplo na repercussão do assassinato de Renildo José dos Santos em 1993, no estado de Alagoas, e de Marielle Franco em 2018, no Rio de Janeiro.
Ambos vereadores que se declaravam bissexuais, mas foram incluídos nos índices e na imprensa como homossexuais. Ou seja, é possível que os bissexuais sofram bem mais violência do que é reportado, já que a bissexualidade não é levada a sério pelos órgãos públicos e a própria comunidade.
Entenda o movimento bissexual no Brasil
O movimento bissexual no Brasil tem registros de ações já na década de 1970 junto ao movimento LGBTQIAPN+. Entretanto, devido ao processo de invisibilização, a categoria só começou a ganhar destaque no país e no mundo em 1999.
No final da década de 1990, foi cunhado o Dia da Visibilidade Bissexual organizado pelos estadunidenses, a ação respingou em todos os processos de luta espalhados pelo mundo, incluindo no Brasil.
Em 2002, na capital paraibana, surgiu um importante movimento de mulheres que expunha a bifobia e a lesbofobia dentro e fora da comunidade LGBTQIAPN+, o Grupo de Mulheres Lésbicas e Bissexuais Maria Quitéria. No ano seguinte, durante XI Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e Transgêneros foi votada a exclusão da letra B da sigla LGBT+, o que causou faísca para que os bissexuais se organizassem políticamente.
Em 2004, foi criado o Núcleo de Bissexuais no Estruturação, ligado ao grupo LGBT de Brasília. O Núcleo foi responsável por produzir o folhetim “Jornal BIS – Unindo Forças”, que circulou entre 2004 e 2006 buscando incluir mais bissexuais na luta pelos direitos sexuais e por direito de igualdade. No mesmo ano, foi votada a inclusão da letra B para a sigla LGBT+ de forma definitiva para a maior Parada do Orgulho do Brasil.
Em seguida, durante o ano de 2005, a primeira organização de âmbito nacional é fundada. Coletivo Brasileiro de Bissexuais (CBB), criado durante o XII Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e Transgêneros (EBGLT) e duração até 2007.
No dia 23 de setembro de 2017, aconteceu a primeira Caminhada do Orgulho e Visibilidade Bissexual em São Paulo. Já em 2018, ocorreu a primeira edição do Bloco BiPanPoli+ na Parada LGBT de São Paulo e o Bloco Bi na Parada LGBT de Belo Horizonte.
Em 2023, rolou o primeiro Encontro Nacional do Movimento Bissexual Brasileiro, promovido pela Frente Bissexual Brasileira. E também o segundo Seminário Nacional de Estudos Bissexuais, promovido pela SenaBi. Ambos eventos foram fundamentais na produção de informação e marco histórico do movimento bissexual, visto que eles celebravam os 20 anos de luta no Brasil.
Desde o desmantelamento da organização nacional em 2007, começaram a surgir diversos grupos de atuação regional que cresceram ao longo do tempo. Atualmente as principais instituições com movimentos dentro do Brasil são Coletivo Bi-sides, Frente Bissexual Brasileira, Coletivo BIL – Coletivo de Mulheres Bissexuais e Lésbicas em Minas Gerais e o MovBi – Movimento de Bissexuais na Paraíba.
Neste Dia da Visibilidade Bissexual, é fundamental reforçar: ser bissexual não é ser confuso ou estar “passando por uma fase”. É uma orientação sexual legítima, que não existem regras. Para se considerar bissexual, basta sentir atração por mais de um gênero.
Por Emilly Gondim e Raquel Novaes